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Uma perspectiva histórica do cinema brasileiro

O sucesso de público das irreverentes chanchadas e a sóbria Vera Cruz aplaudida pela crítica

A primeira lei de cota de tela foi criada em 1932 e determinava a exibição de, pelo menos, um longa e um curta nacional nas salas de exibição, durante um dia no ano. A atitude, no entanto, não foi fruto de uma preocupação especial com o circuito cinematográfico, já que era apenas mais um dos reflexos da política intervencionista do governo na economia e na cultura. Com o golpe do Estado Novo, Getúlio Vargas institucionalizou um aparato de propaganda de Estado que acompanhava a criação do Departamento de Propaganda e Divulgação Cultural, em 1934. Assim surgiu o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), em 1937, para a promoção de filmes escolares e populares, a fim de consolidar uma identidade nacional. O processo continuou com a implementação do Cinejornal Brasileiro– pequena série de documentários, exibida antes de cada sessão, que fazia propagandas do governo. Humberto Mauro, por exemplo, lançado no ciclo de Cataguases, fez 375 filmes com conteúdo científico e temas históricos para o INCE, com objetivo de documentar e preservar a história e a cultura popular.

Na década de 40 foram criadas produtoras voltadas para filmes de apelo popular. Assim nasceu a Atlântida Cinematográfica, fundada no Rio de Janeiro, em 1941, por Moacir Fenelon e José Carlos Burle, com o apoio do roteirista Alinor Azevedo. O primeiro grande sucesso da empresa, um drama baseado na vida de Grande Otelo, foi Moleque Tião (1943), dirigido por José Carlos Burle. Aos poucos o caráter dos filmes da produtora se modificou, continuou com orçamento baixo, mas os temas ficaram mais leves. Tristezas Não Pagam Dívidas, estrelado pela dupla mais famosa do cinema nacional, Oscarito e Grande Otelo, foi o grande modelo das “chanchadas”, caracterizadas pelo humor inocente, temas corriqueiros com base em estereótipos e influenciadas especialmente pelos musicais da Broadway. Em Este Mundo É Um Pandeiro Oscarito imita a clássica cena de Rita Hayworth em Gilda. Outros filmes do gênero são Nem Sansão Nem Dalila, paródia do clássico Sansão e Dalila, de Cecil B. DeMille, e Matar ou Correr, sátira do longa Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann, famoso nos anos 50 pelo gênero faroeste. Ambos os filmes, realizados pelo diretor Carlos Manga, são criticas ao governo de Getúlio Vargas. Já Carnaval Atlântida é uma brincadeira com o próprio gênero da chanchada, contando a história da produtora de Cecílio B. de Milho, em referência ao diretor norte-americano anteriormente citado, que quer concluir um filme sobre a Guerra de Tróia. Os filmes da Atlântida tinham muita receptividade, a ponto das bilheterias cobrirem os baixos custos da produção, incentivando o circuito cinematográfico, mas foram rechaçadas pela crítica durante muitas décadas.

Empossado em 1946, Eurico Gaspar Dutra, ministro durante o governo de Getúlio Vargas, manteve diversos órgãos criados durante o Estado Novo e alterou somente a legislação da cota de filmes, que previa a obrigatoriedade das salas passarem três filmes nacionais por ano – uma vitória em relação a anterior. Neste contexto, como contraponto das chanchadas cariocas, a Companhia Vera Cruz, estúdio criado em 1949 por Franco Zampari e Ciccillo Matarazzo, optou pela produção de filmes com maior qualidade técnica e temática, começando com O Caiçara, de Adolfo Celi. Para Maria Rita Galvão, “pela primeira vez no Brasil uma companhia produtora de filmes contaria com o interesse e o apoio da intelectualidade e da elite financeira paulista, pela primeira vez o cinema não seria considerado atividade marginal, teria estatuto reconhecido”. (4) GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e Cinema: o Caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. p.40.

A empresa contratou atores e profissionais do campo cinematográfico experientes, equipamentos caros com alta tecnologia e a distribuição dos filmes era feita pelas grandes empresas norte-americanas, em resumo, investiu em grandes produções com padrões de cinema internacional. Sidney Ferreira Leite afirma que “mesmo os adversários mais ferrenhos da época reconhecem a contribuição da companhia em termos de qualidade técnica e interpretação. Até então o cinema brasileiro se debatia com a falta de recursos, o improviso e a descontinuidade”. (5) LEITE, Sidney Ferreira. Cinema Brasileiro- Das origens à Retomada. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. p.84. Em 1953, a Vera Cruz lançou O Cangaceiro, dirigido por Lima Barreto, primeiro filme brasileiro a ganhar em Cannes como Melhor Filme de Aventura e a tratar do tema do sertão nordestino. A única produção mais próxima do gênero das chanchadas na Vera Cruz foi a de Mazzaropi, que trabalhou no circo e na televisão e só depois estreou no cinema com a comédia Sai da Frente (1952). Trabalhou em oito filmes como ator, até fundar a sua própria produtora, Produções Amácio Mazzaropi- Pam Filmes, e começar a dirigir seus longas. Em geral, seus filmes eram comédias que se passavam em fazendas, com o tipo do caipira brasileiro eternizado no personagem do Jeca Tatu.

No ano de 1952 aconteceram, pela primeira vez, o Congresso Nacional do Cinema Brasileiro, no Rio de Janeiro, e o Congresso Paulista do Cinema Brasileiro, nos quais foram discutidas questões inerentes ao processo de realização das produções, às formas de distribuição e exibição dos filmes nacionais e à sindicalização dos profissionais do ramo. Diretores, cineastas, técnicos e críticos participaram dos congressos que foram as primeiras iniciativas de se pensar o cinema no Brasil.

O modelo das chanchadas foi, aos poucos, perdendo público. A política desenvolvimentista dos Planos de Metas de Juscelino Kubitschek não agradou setores da sociedade descontentes com a abertura do país para o capital estrangeiro. Além disso, as redes nacionais de televisão estavam sendo criadas e ampliadas no país, popularizando o novo meio de comunicação e entretenimento. Influenciados pelo contexto político brasileiro e pelas produções européias do neo-realismo, alguns diretores começaram a produzir filmes com mais consciência político-social. As características deste movimento cinematográfico foram absorvidas, por exemplo, por Nelson Pereira do Santos em Rio 40 Graus (1955), produzido com orçamento pequeno e atores não-profissionais, mostrando os problemas sociais do Rio de Janeiro fora dos estúdios, em cenários reais da cidade. O filme mostra meninos vendedores de amendoim trabalhando num domingo para comprar uma bola. Censurado no lançamento, só voltou a circular com o apoio de diretores brasileiros, estrangeiros e críticos de cinema. Nelson Pereira morou alguns anos em Paris, militou no Partido Comunista Brasileiro até 1956 e foi a grande inspiração dos cineastas que produziram na década seguinte.

Agosto de 2008